Robert Fulghum
Corria o verão de 1959 e eu trabalhava num pequeno. Hotel situado numa estância de férias. Minhas funções consistiam em ser recepcionista durante o turno da noite e ajudar a cuidar dos cavalos nos estábulos. O Gerente-proprietário e eu nos dávamos bem. Acabado de sair da universidade, com meus 22 anos e a liberdade de minhas opiniões, eu achava que ele era um fascista interessado só em empregados matutos que soubessem o seu lugar.
Uma semana inteira serviram a nós, os empregados, a mesma coisa no almoço: duas salsichas tipo Viena, um monte de chucrute e pãezinhos dormidos. E ainda por cima as despesas de nossa alimentação eram descontadas do nosso salário! Fiquei uma onça.
Na noite de sexta-feira dessa semana horrível, por volta das 23 horas, eu estava de serviço na recepção e o encarregado da contabilidade no turno da noite acabara de entrar. Então fui à cozinha e encontrei um bilhete dirigido ao chefe dos cozinheiros, no qual lhe eram dadas instruções para nos servir outra vez o mesmo prato no almoço durante mais dois dias.
Aquilo me encheu a paciência. A falta de melhor audiência, desabafei com o contador, Sigmund Wollman. Disse que já estava por aqui; que eu ia preparar um prato de salsichas com chucrute, acordar o patrão e varejar tudo em cima dele. Que ninguém ia me obrigar a comer aquela droga mais uma semana inteira e ainda me cobrar por isso; que eu não gostava de salsicha tipo Viena com chucrute o suficiente para comer uma vez só que fosse, quanto mais todo dia; que aquele hotel me dava nojo e que eu ia fazer as malas e me mandar para Montana,onde nunca tinham ouvido falar de salsichas com chucrute e não dariam aquilo nem para os porcos.
Foi mais ou menos o que eu disse. Esbravejei assim uns 20 minutos, e meu monólogo foi proferido a plenos pulmões, pontuado por pancadas na mesa à minha frente com um mata-moscas, chutes em cadeiras e muito desrespeito.
Quando acabei, percebi que Sigmund Wollman continuava calmamente sentado em seu banco, me olhando com olhos tristes. E tinha boas razoes para se sentir assim: sobrevivera a três anos em Auschwitz (era judeu alemão); sua compreensão era fraca e ele tossia muito. Gostava de ficar sozinho em seu trabalho noturno, o que lhe permitia obter espaço para o intelecto, a paz, a calma e, além disso, dava-lhe chance de ir à cozinha comer qualquer coisa sempre que o desejasse - todas as salsichas e chucrutes dos quais estivesse a fim. Para ele era um banquete. Melhor ainda, não havia ninguém por perto a mandá-lo fazer isso ou aquilo. Em Auschwitz ele sonhara com uma vida assim. A única pessoa via enquanto trabalhava era eu, o notívago perturbador de seu sonho, dado que nossos turnos se sobrepunham por uma hora.
Fulghum, me ouça, me ouça bem. Sabe qual é o seu problema? Não são as salsichas, o chucrute, o patrão, o cozinheiro-chefe ou este emprego.
Então que é está errado comigo?
Você pensa que sabe tudo, Fulghum. Mas não sabe a diferença entre uma inconveniência e um problema. Se partir o pescoço, não tiver nada para comer ou sua casa estiver se incendiando, Então você estará com um problema. Todo o resto são apenas inconveniências. E a vida está cheia delas. Aprenda a distingui-las dos verdadeiros problemas, que você vai viver mais tempo, sem encher o saco de gente como eu. Boa noite.
Ao longo da minha vida, tem sido muito raras as ocasiões em que a verdade me atinge de forma tão direta. Ali, na escuridão de uma noite que já ia avançada, Sigmund Wollman não só me deu uma lição como também me abriu uma janela no espírito.
Já se passaram 30 anos e ainda hoje, quando me sinto estressado e sob pressão, quando alguma coisa me força contra a parede e me sinto a pique de fazer algo realmente estúpido por causa de minha raiva, um rosto penalizado me aparece na mente e pergunta: É problema ou inconveniência?
Para mim, isso é o Teste da Realidade de Wollman. Boa noite, Sig!
Condensado de UH-OH, copyright 1991 de Robert Fulghum, Publicado por Villard Brooks, Nova York
Resder's Digest Seleções Julho 1994 pg. 83 e 84
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